sábado, 19 de maio de 2012

Da Alemanha ao Brasil, no maior dirigível

Por Rafael Fernandes

In Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras
Volume 35 - Número 23 - Natal/RN - Setembro/1991

Em 1929, o Graf Zeppelin deu a primeira volta ao mundo. Façanha memorável.  Iniciava suas viagens, conduzindo 25 passageiros.

Em 1936, construíram o superdirigível Hindenburg. Jamais superado até nosssos dias. Além da tripulação, transportava de 50 a 100 passageiros. Capacidade para 20 toneladas de carga.

Navegava entre 200 e 600 metros de altitude, numa velocidade média de 130 quilômetros por hora. Parado, flutuava no ar quase indefinidamente. Parecia um charuto prateado com 246 metros de comprimento.

Estava em Berlim e trabalhava no Hospital Universitário. Em 21.10.1936, em Frankfurt-am-Main, tomei o superdirigível, que num vôo direto alcançaria o Rio em três dias. Para decolar, abriram uma grande torneira, que lançava água no solo. À medida que perdia peso, o balão elevava-se na vertical, em silêncio. Através das janelas de vidro, observávamos as pessoas em terra, diminuindo de tamanho. Todos à bordo sentiam mal estar, devido a vertigem das alturas. Ouviu-se um grande estrondo seguido de outros, com estremecimentos. Eram os motores a óleo Diesel funcionando, dos lados, girando enormes hélices. Sobrevoou o Reno em direção a Holanda e ao canal da Mancha. A França não permitia vôos em seu território.

Maravilhado, eu observava fazendas e campos bem tratados. Pilhas de feno. Castelos da Idade Média. Florestas de altos pinheiros. Gado leiteiro pastando. Cães a ladrar. Patos, gansos e galináceos corriam assustados. Famílias de alegres camponeses agitavam as mãos.

Dois andares da nave serviam de alojamento aos passageiros. No primeiro, havia camarotes para duas pessoas. Paredes decoradas, mesa, espelho, armário, campainha, lavatório, água corrente e luz elétrica. Lençóis de linho. Banheiro completo.

Viajavam 56 passageiros, sendo 5 brasileiros, 13 tripulantes e o comandante Capitão Max Pruss.

Ainda nesse andar, ampla sala de refeições. Mesas para duas e quatro pessoas. À direita, espaçosa sala-de-estar, com mesas e poltronas. Saleta de leitura, biblioteca, serviço de correio postal e outro convés de passeio. No andar inferior, além da cozinha, a sala de música, com piano e serviço de bar, único local onde era permitido fumar.

O Hindenburg voava a uns duzentos metros, devagar e serenamente. Viagem agradável e emocionante. Oferecia o conforto de um navio.

Durante o jantar, todos vestidos a rigor. Nas mesas, além do cardápio havia um cartão com o nome do ocupante. Folheto dava a lista dos passageiros e tripulantes.

A estrutura da nave era de dura-alumínio, sendo todo o bojo revestido de linho, pintado à base de prata, que refletia a luz e reduzia o calor solar. Grandes lemes verticais e horizontais controlavam a estabilidade e a direção.

No dia 22 de outubro, passamos pela Espanha e o estreito de Gibraltar, a pouca altura. Visão perfeita, inesquecível. Alcançamos Marrocos, onde a paisagem mudou. Cidades e aldeias brancas. Tamareiras, jericos, camelos e solo arenoso, desnudo, amarelado. Gente de túnica e turbante. Voando perto do litoral, avistamos o inconfundível deserto de Saara. Sol a pino. Calor intenso. Núvens de poeira alcançavam o dirigível. Embaixo, dunas a perder de vista. Longa caravana, em fila, cortava o mar de areias candentes. Camelos a passos lentos conduziam cargas desmedidas, enfrentando aquele mundo hostil. Soprava vento quente. À distância, outras caravanas e acampamentos de beduínos. Céu amarelo­avermelhado. A nave jogava, lentamente, como se fosse um barco. Balanço corrigido pelos estabilizadores.

À tardinha, lobrigamos o verde limitante do deserto. Vegetação rala. Arbustos, poucas árvores, palmeira. Inúmeras clareiras, próximas umas das outras. Nelas, quatro a seis choupanas redondas, cobertas de palha, em torno do pátio limpo. Perambulavam porcos, vacas, cabras e aves domésticas. Nativos imobilizados olhavam em direção à nave.

Anoitecia. Chegamos a Bathust, logo abaixo de Dakar. O Hindenburg soltava o gás, perdendo altura. Parou por cima de um caminhão de carga. Iluminou-o com holofotes. Lançou um cabo fino, de aço. Homens, em terra, engataram grandes pacotes, de pronto, recolhidos. Mas, o zeppelim tangido à deriva pelo vento, desviara-se. Ligados os motores, deu volta e repetiu a operação. Tratava-se de bagagens, malas-postais e provisões.
No dia entrante, sobrevoamos um transatlântico alemão. Saudava-nos com prolongados apitos. Viajantes, deslumbrados, de rostos voltados para o alto, agitavam os braços.

Penetramos, à frente, em nuvens carregadas. Desabou o temporal. A chuva fustigava o revestimento da nave, fazendo um barulho ensurdecedor. Descíamos, com o peso d'água. Parecia que íamos tocar as ondas. Mas, ganhando velocidade, fugimos da borrasca.

Olhei o mapa na parede. O alfinete com bandeirinha vermelha indicava nossa posição. Cruzamos o Rochedo de São Paulo - pedra negra, vulcânica. Fernando Noronha, à tardinha. À noite, jantar festivo, regado a vinho do Reno. Entrega de certificados aos passageiros, que atravessaram o Equador pela primeira vez. Guardei a lembrança do "Deus AEOLUS", datado, Hindenburg, 23.10.1936. Saí do refeitório para ver Natal.

O zepelim flutuava, de faróis acesos, diante do Forte dos Reis Magos.

Lançou de pára-quedas, na Praia da Limpa, a mala-postal. Uma coroa de flores na estátua de Augusto Severo, aeronauta, norte-riograndense, morto no desastre do seu dirigível, 1902. Natalenses nas ruas, apreciavam o espetáculo, deslumbrados. Conheciam o Graf Zeppelim e o Hindenburg, da viagem anterior.

Visita rápida. Com os motores acelerados, aproou para a costa, rumo ao sul. Às 22 horas, Berlim irradiava minha conferência para a América do Sul. Lá, embaixo, as areias limpas das praias separavam o mar do coqueiral verde-escuro, dentro da noite azulada. Panorama imutável. Queimadas clareavam a floresta. Aglomerados cintilantes denunciavam cidades e vilarejos. No mar, pontos de luz baça dos candeeiros das jangadas. Passageiros, na sala-de-estar, convers­vam, jogavam cartas e bebiam cerveja. Na sala dos fumantes, as músicas melódicas teuto-vienenses. Alguns passeavam no convés. Pessoas de várias nacionalidades. Tripulantes atentos em bem servir.

Fomos nos deitar. O dirigível jogava.

Viajamos no último dia, com tempo bom, apreciando a costa brasileira.  Estrangeiros maravilhavam-se ante a exuberância da flora tropical. Matas fechadas, ao sul da Bahia. Rebanhos em vastas campinas. Fazendas de café, fumo e cacau. Vaqueiros tangendo boiadas. Abundantes terras incultas e despovoadas. O Estado de Espírito Santo, Salinas de Cabo Frio, no Estado do Rio. Viajantes, a bordo, prontos para o desembarque junto às janelas, admiravam a natureza arrebatadora do Rio de Janeiro - o Corcovado e o Pão de Açucar. Às cinco da tarde, estávamos ao longo da Avenida Rio Branco. O tráfego parou. Motoristas e passageiros saíam dos carros, a fim de olhar o aerostato. Ruas, praças, janelas e terraços apinhados de gente. Gritaria e o buzinar dos automóveis. O entusiasmo não se arrefecia, dado o impacto produzido pelo objeto voador.

O Hindenburg aguardava a hora mais conveniente para baixar. Volteou a cidade, com lentidão. Vagueou pelo litoral. Às onze da noite, pousou no Rio, na base de Santa Cruz.

EM 1937, o Hindenburg fazia a linha dos Estados Unidos. A seis de maio, em uma noite tempestuosa, aterrissava em Lakebust, quando se incendiou com 97 pessoas a bordo. 37 morreram. Atribuiu-se a catástrofe ao santelmo.

 Cerca de 1.200 pessoas tiveram o privilégio de viajar no Hindenburg. No Graf, umas 18.000, em mais de 650 vôos normais, durante oito anos. Após esse desastre, deixaram de navegar, sendo desmontados em 1940.

Terminaram, assim, as viagens de luxo, conforto e romantismo. Encerrou-se o ciclo dos dirigíveis.

5 comentários:

  1. Que maravilha esse relato. Faz o leitor imaginar estar ttambém voando. Gostei muito. Obrigada por dividir esse pedacinho da história do dirigive.l

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  2. Que maravilha esse relato. Faz o leitor imaginar estar ttambém voando. Gostei muito. Obrigada por dividir esse pedacinho da história do dirigive.l

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  3. Ele lembrou do Corcovado, mas já existia o Cisto Redentor há cinco anos. Foi edificado em 1931. Será que o ex-governador não se comoveu com aquela obra?

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