quarta-feira, 15 de junho de 2011

CIDADE DIVIDIDA E VIOLENTADA DIANTE DE UMA DECISÃO DE MORTE DE UM PATRIMÔNIO AMADO

"Começa o triste espetáculo que a cidade dividida assiste como que violentada e ainda surpresa, sem entender o suficiente do que ali se edificará, que justifique a decisão de morte de um patrimônio amado, orgulho do povo que o freqüentava."
Ticiano Duarte

Presenças do Machadão e de João Machado
Ticiano Duarte - jornalista

Tribuna do Norte, 15 de Junho de 2011


Neste momento de preparação para demolição total do Machadão, quando já começa o triste espetáculo que a cidade dividida assiste como que violentada e ainda surpresa, sem entender o suficiente do que ali se edificará, que justifique a decisão de morte de um patrimônio amado, orgulho do povo que o freqüentava, dos seus dias de alegria e glória.

A figura que dá o nome do estádio que está sendo destruído, conheci de perto, meu amigo de velhas datas, João Cláudio de Vasconcelos Machado. A respeito dele, escrevi certa ocasião, lembrando que deveria pelo seu valioso currículo, pelos antecedentes de vida universitária, pelas suas andanças em outros centros civilizados, ter tido uma postura de elegância no vestir, de exibição de cultura, do que aprendera no primeiro mundo, freqüentando as universidades mais tradicionais da Europa. Mas, ao contrário, era simples e sem vaidade, apesar de sucessor de um dos maiores proprietários da cidade, do casal João e Amélia Machado, seus tios e pais de criação.

O velho português enriquecera nos anos 20 e 30 do século passado e adquirira inúmeros imóveis na cidade à época de 20 a 30 mil habitantes, sendo proprietário de quase toda Parnamirim e do bairro de Nova Descoberta.

João Machado saíra cedo de casa para conhecer o mundo, freqüentando universidades históricas, centro culturais que somente jovens milionários poderiam visitar e voltando ao Rio Grande do Norte, aqui chegou com o mesmo espírito de xarias, a freqüentar os locais de infância e juventude, sem exibicionismo, sem pedantismo. Era o mesmo espírito bonachão, amando o esporte, o futebol, as regatas, os papos do Grande Ponto, as piadas, o anedotário popular, a irreverência que foi o seu tom maior de identidade natalense.

Era o anti-herói, um pouco de hippe no sentido existencial, aficionado do júri popular, como assistente, apesar de bacharel em direito; do rádio, do jornal e ao lado de Humberto Nesi, uma dupla que sem dúvida que mais lutou pelo engrandecimento do esporte em nossa terra.

Gozador por excelência, que não se cansava de fazer blague e sarcasmo, ironizando com inteligência as gafes dos circunspetos figurões que se julgavam importantes, na província. Falava por parábolas, metáforas e trocadilhos. Narrava longas estórias de candidatos a cargos eletivos que caíam no anedotário político; oradores de palanques eleitorais que se imortalizaram pelo uso e abuso de expressões acacianas.

Colaborador desta TN e Rádio Cabugí, o seu programa de esporte, diário, "Curruchiado", tinha uma grande audiência. Toda cidade ouvia João Machado, as piadas picantes, os destemperos vez por outra censurados pela Polícia Federal. Inúmeras vezes a Rádio Cabugí foi obrigado a sair do ar, por conta das suas ironias maliciosas.

Mas foi um amigo fiel, de coração largo e generoso, descuidado e solidário, misto de coisas antagônicas que a cidade gostava e prezava. Sabia transmitir com originalidade de sua linguagem figurada os pontos mais importantes do reinventado itinerário sentimental das noites boêmias em companhia dos amigos, através de suas metáforas, deixando sempre dúvidas e interrogações sobre os detalhes dessas caminhadas noturnas.

Com a destruição do Machadão, não morre a lembrança do estádio de tantos acontecimentos saudosos, de tantas tardes e noites de alegrias, como também, não morre a lembrança de João Cláudio de Vasconcelos Machado, com seu estilo, charuto à boca, o riso inesquecível, sua presença marcante na tribuna de honra do Juvenal Lamartine e do estádio que ganhou o seu nome, por escolha do povo de Natal.

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