terça-feira, 28 de junho de 2011

TABAS DE POTY SOTERRADAS

Passei em volta do Machadão e vi que a área está quase toda cercada. Dá uma tristeza ver que o Machadão está prestes a ser implodido. Fica parecendo aquele paciente que está prestes a ir para a faca numa cirurgia que já se sabe que ele não resistirá.
Sandro Alves, Candelária

Modernidade é a preservação da História. Destruir suas marcas, um crime de abandono ao futuro.
Eduardo Alexandre
Foto: Argemiro Lima, Novo Jornal
Aqui jaz uma cidade
Adriano de Sousa
Novo Jornal, 27 de junho de 2011

Cercaram o meu campo de memórias na Jerimunlândia com o muro metálico do esquecimento.

Arrancaram a grama onde nossos parcos poetas de chancas federais (Alberi, Souza, Danilo Menezes, Dedé de Dora, Sérgio Poti, Marinho Apolônio, Hélcio Jacaré, Odilon) escreveram os versos que nós, os beletristas de esquina, jamais lograremos replicar.

Apagaram as luzes primordiais que, por duas décadas, constelaram tardes de domingo e, por outras duas, alumiaram com sombras a decadência do ludopédio nesta terra do irremediável já-teve.

O cercamento é o prelúdio ao drama final inscrito com letras cúpidas na página da paisagem indiferente.

A suavidade clara dos tapumes é enganosa.

Há ali, em estado de latência e metáfora que só a alma roubada pode captar, o negror áspero do arame farpado – subtexto a gritar mais alto que as justificativas dos filisteus que nunca bateram um escanteio na vida.

São escravos do tempo físico. Cegos do tempo histórico. Ignoram que o futuro começa no passado, e que não há modernidade – mesmo essa, duvidosa, que se veste com as grifes da despersonalização – descolada da tradição.

Vanguarda, senhores das picaretas & outras gazuas, é a retaguarda que deu certo.

Naquelas linhas harmoniosas, desenhadas pelo arquiteto à revelia das razões do vento que soprava do mar para atabalhoar quipas e beques desavisados, eu sempre soube quem fui, e fui sempre quem eu era.

Geraldino ou arquibaldo, um dínamo de paixões juvenis cultivadas timidamente, sem outro alarde que o do coração acelerado pelas trivelas boçais do Negão, que não distinguiam os grandes dos pequenos; pelos 1-2 fulminantes de Silva & Marinho no esquadrão oitentista de 104 gols; pela bicicleta improvável de Sérgio Alves num ABC x América já deste século – rasgo de gênio, temporão, em dias corroídos pela mediocridade.

Um epitáfio perfeito – e profético.

Aqui jaz. E nunca mais.

Sim, a nostalgia é a subversão do tempo linear; é o tempo congelado nos cimos que a razão não alcança.

Mas, quem ousaria falar de racionalismos, se o que se vê no bota-abaixo geral é o obscurantismo impondo decisões ditadas pela lógica escrota do negocismo, sem nenhum vínculo com a razão iluminista?

No futuro, quando os arqueologistas escavarem as fundações da Meganatalópolis que soterra a Cidade do Sol que soterrou a Fazenda Iluminada que soterrou a Noivinha do Sol que soterrou a Cidade dos Reis que soterrou a Província Com Ar de Chacra que soterrou a Nova Amsterdã que soterrou a Ciudad de Santiago que soterrou a Taba de Poty-Mais-Grande – hão de encontrar, numa bolha de tempo em suspensão, camadas e camadas de memórias superpostas em caótico alumbramento.

E nelas os rostos & os nomes, as cores & as formas, os risos & as lágrimas, os lances & os relances que, por um breve interlúdio, fizeram do colosso da Lagoa Nova o poema de concreto armado em que a cidade se reconhecia na festa comum de ser ela mesma.

E que agora vai abaixo porque nos faltou, nos falta e nos faltará quem lesse no deslizar de uma bola sobre o tapete verde a identidade (mesmo que tosca) de uma gente e a grandeza (ainda que mínima) de um lugar.

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