sexta-feira, 3 de junho de 2011

Como se fossem heróis

ESTÁDIO DE FROUXIDÃO
VICENTE SEREJO

O amor próprio, Senhor Redator, não figura entre as nossas melhores qualidades. A fraqueza vem desde quando, ju­bilosos, recebemos os invasores servindo-lhes a rendição em finos toalhados da Bretanha diante dos índios da terra prisio­neiros. De lá pra cá, tem sido assim. Malgrado todos os heróis que envidamos ao longo de quatro séculos no estuário desse rio e na boca desse mar que nos tem engolido. A nós e aos nossos melhores sonhos de vida digna e justa, sem medo dos poderosos.

Basta dizer da tristeza que é a historia de Felipe Camarão, nosso índio Poti, posto e imposto que nos foi como um herói. Além da própria origem caída em dúvida - seria pemambucano da gema segundo viu e deu fé o grande Pereira da Costa na sua Última Verba, na arrimada erudição de José Antônio Gonçalves de Mello e reconhecida por Olavo de Medeiros Filho, e que acabou cooptado com a lisonja do título de Governador Geral dos Índios do Brasil, laurel oficial que nunca existiu.

De tudo, nos restou ao menos, e para que a nossa pobreza não fosse em vão, o gesto digno de Frei Miguelinho, nosso único herói. Sua coragem, soprada pela fé em Deus e na liberdade, ao lado dos insurretos de 1817, é a chama que nos resta. Migue­linho, o amigo de Frei Caneca, companheiro naquele Recife desse belíssimo Joaquim do Amor Divino, fuzilado num tribunal en­louquecido de poder, restando o corpo dilacerado, abandonado e frio, jogado às portas do convento das Carmelitas.

No mais, Senhor Redator, temos ídolos. E, se tanto, protago­nistas de espetáculos políticos, sociais e esportivos que enchem nossas platéias e os olhos do povo. E assim vamos indo, de mão em mão, no varejo das nossas pequenas coragens. Quem a eles percebe, nas atas e negociatas, é um inimigo do futuro. Do con­tra. Um revoltado que não reconhece heroismos mancos, falsas lendas, e os bem dissimalados benfeitores de si próprios, heróis oficiais das burras fartas, teúdas e manteúdas.

O novo capítulo dessa nossa história trágico-marítima, de naufrágios no mar da rendição é o Machadão. Sua pequena trajetória já revela, por si só, o mais novo instante. Nada faltou da antiga receita e seus gordos grãos de oportunismo. Primeiro, anun­ciaram e defenderam com furor a PPP, a famigerada Parceria-Público-Privada. Em seu nome, posto como respeitável, acusaram de inimigos os que desconfiaram do milagre e da entrega daque­la área com a promessa de uma revolução urbana.

Agora - sempre acaba assim - o Estado vai pagar tudo com um empréstimo no valor de R$ 1,2 bilhão e carência nos próxi­mos quatro anos. Em 2014, se reeleita, a atual governadora que assinou o empréstimo com o préstimo de uma empresa de cons­trução civil, vai herdar dela mesma uma dívida que exigirá R$ 9 milhões de juros a cada trinta dias. Ou seja, R$ 300 mil por dia. Quem for contra que assuma a pecha de inimigo do futuro que alguns já aceitaram vendê-lo. Como se fossem heróis.

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