ESTÁDIO DE FROUXIDÃO
VICENTE SEREJO
O amor próprio, Senhor Redator, não figura entre as nossas melhores qualidades. A fraqueza vem desde quando, jubilosos, recebemos os invasores servindo-lhes a rendição em finos toalhados da Bretanha diante dos índios da terra prisioneiros. De lá pra cá, tem sido assim. Malgrado todos os heróis que envidamos ao longo de quatro séculos no estuário desse rio e na boca desse mar que nos tem engolido. A nós e aos nossos melhores sonhos de vida digna e justa, sem medo dos poderosos.
Basta dizer da tristeza que é a historia de Felipe Camarão, nosso índio Poti, posto e imposto que nos foi como um herói. Além da própria origem caída em dúvida - seria pemambucano da gema segundo viu e deu fé o grande Pereira da Costa na sua Última Verba, na arrimada erudição de José Antônio Gonçalves de Mello e reconhecida por Olavo de Medeiros Filho, e que acabou cooptado com a lisonja do título de Governador Geral dos Índios do Brasil, laurel oficial que nunca existiu.
De tudo, nos restou ao menos, e para que a nossa pobreza não fosse em vão, o gesto digno de Frei Miguelinho, nosso único herói. Sua coragem, soprada pela fé em Deus e na liberdade, ao lado dos insurretos de 1817, é a chama que nos resta. Miguelinho, o amigo de Frei Caneca, companheiro naquele Recife desse belíssimo Joaquim do Amor Divino, fuzilado num tribunal enlouquecido de poder, restando o corpo dilacerado, abandonado e frio, jogado às portas do convento das Carmelitas.
No mais, Senhor Redator, temos ídolos. E, se tanto, protagonistas de espetáculos políticos, sociais e esportivos que enchem nossas platéias e os olhos do povo. E assim vamos indo, de mão em mão, no varejo das nossas pequenas coragens. Quem a eles percebe, nas atas e negociatas, é um inimigo do futuro. Do contra. Um revoltado que não reconhece heroismos mancos, falsas lendas, e os bem dissimalados benfeitores de si próprios, heróis oficiais das burras fartas, teúdas e manteúdas.
O novo capítulo dessa nossa história trágico-marítima, de naufrágios no mar da rendição é o Machadão. Sua pequena trajetória já revela, por si só, o mais novo instante. Nada faltou da antiga receita e seus gordos grãos de oportunismo. Primeiro, anunciaram e defenderam com furor a PPP, a famigerada Parceria-Público-Privada. Em seu nome, posto como respeitável, acusaram de inimigos os que desconfiaram do milagre e da entrega daquela área com a promessa de uma revolução urbana.
Agora - sempre acaba assim - o Estado vai pagar tudo com um empréstimo no valor de R$ 1,2 bilhão e carência nos próximos quatro anos. Em 2014, se reeleita, a atual governadora que assinou o empréstimo com o préstimo de uma empresa de construção civil, vai herdar dela mesma uma dívida que exigirá R$ 9 milhões de juros a cada trinta dias. Ou seja, R$ 300 mil por dia. Quem for contra que assuma a pecha de inimigo do futuro que alguns já aceitaram vendê-lo. Como se fossem heróis.
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