AO ETERNO REI DE NATAL
Rubens Lemos Filho
Que os acadêmicos tremam em seus fardões, os historiadores e antropólogos puxem das estantes documentos empoeirados. Na alma do homem simples o monumento de Natal é o estádio João Machado. Bem antes de completar 30 anos de vida, era dono dos corações e gerações bem distantes do tempo em que o Capitão-mor de Peenambuco, Mascarenhas Homem determinou, junto ao capitão daqui, João Rodrigues Colaço, a construção da Fortaleza do Reis Magos, portal de nossa resistência aos invasores estrangeiros.
Em 1598, não se falava em futebol. Mascarenhas Homem e - muito menos CoIaço, não puderam viver para vestir uma camisa do ABC, do América ou do Alecrim e desabafar como se o mundo fosse acabar aos 45 minutos do segundo tempo.
Se o forte é a dimensão histórica, o Machadão é o estado de espírito de um povo. Democrático poema de concreto. Há lugares distintos para ricos e pobres, mas só lá todos são iguais na angústia, no palavrão, no orgasmo do gol. Só existe lealdade absoluta na opção por um time. Troca-se de cueca, de dentadura, de mulher e de fechadura. O time acompanha o cidadão do útero da mãe ao túmulo.
Já se disse outras vezes que só a arquibancada hospeda o sentimento de estar numa parte extra da própria casa. As derrotas do cotidiano vão ficando pelos bares, Preliminares do espetáculo esperado com ares de apocalipse.
Aos 7 anos de idade, conheci o Machadão, então com cinco. Um menino mais velho que o colosso. Nesses 25 anos de militância, vi loucura, dor, tragédias e comédias num teatro onde o palco gramado entregou-se servil aos artistas que desfilam na memória a cada bom dia da saudade: Danilo Meneses, Alberi, Marinho ApoIônio, Marinho Chagas, Odilon, Nonato. Zezinho PeIé, Silva, Reinaldo, Hélcio Jacaré, Ivanildo, Jonas, Dedé de Dora, Didi Duarte, Ivan Silva, Curió, Severinho, Jangada, Pedrada. Ronaldinho Garrinchinha.
E mais: Geraldo, Sérgio, China, Pedro Pradera, PauIinho Kobayashi, Moura, Romildo, Gito, Sérgio Alves, Leonardo, Robgol. Reinaldo Aleluia, Scala, VasconceIos, Edson, Libânio, Demolidor, Davi, Morais, Baltasar, Petinha, VaIério, Macunaima e Humberto Ramos. Amados, amém.
No estádio, entra-se em transe, pede-se a morte, implora-se por um revólver para atirar na cabeça de um juiz. Bravatas quea razão anestesia quando termina o jogo. É assim, pelo menos, que deve-se continuar fazendo.
Nem as deploráveis torcidas organizadas conseguem apagar a importância cultural de um templo que chegou quando NaIaI ainda era uma aldeia. Sem globalização, celular. O Machadão vem de um tempo em que cidadão era apenas pureza e princípios. Dinheiro fundamental, só o do ingresso.
O Machadão é um carimbo na minha vida desde que engolira à força, numa chaleiragem comum naquela época, o nome de um dos ditadores do Golpe Militar. Depois, redimido, eternizou um dos cronistas esportivos que o freqüentaram ainda quando berçário. João Machado, Souza Silva, José Augusto, Adeodato Reis, Jaime Cisneyros, estão mortos mas freqüentam o estádio nos clássicos de atmosfera transcendental. A morte não exime ninguém de um ABC x América. Das tumbas para as rampas, silenciosos eles sobrevoam nossas cabeças. O sobrenatural é a 12ª camisa de qualquer escrete.
O jornalista Rubens Lemos também aparece por lá de vez em quando. Percorre as cabines de rádio onde comentou como nenhum outro.
Rubens Lemos morreu no dia 4 de junho de 1999. Num dia 4 de junho, 27 anos antes, era o estádio quem nascia. Gol de um minúsculo monarca, William.
Amores de vida eterna.
Nº PROTOC. | INTERESSADO | ÓRGÃO | MATRÍC. | ASSUNTO | OBS. |
99074/2011-1 | EDUARDO ALEXANDRE DE AMORIM GARCIA | FJA |
| SOLICITAÇÃO / SOLICITAÇÃO DE PROVIDÊNCIAS | PELO PRESENTE, VIMOS, RESPEITOSAMENTE, SOLICITAR OS TOMBAMENTOS DO ESTÁDIO JOÃO CLÁUDIO DE VASCONCELOS MACHADO E GINÁSIO HUMBERTO NESI, DESTA CAPITAL. |
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