sábado, 7 de maio de 2011

FÚRIA DEMOLIDORA


Esperemos que os representantes do povo nas casas legislativas, abaixo de Deus, consigam deter essa fúria demolidora que apossou-se dos iconoclastas, evitando a destruição do patrimônio e a imolação da dignidade do povo potiguar.


Vitória da Insensatez e da Ganância
Moacyr Gomes da Costa
Tribuna do Norte, 22 de setembro de 2009

Após o corajoso pronunciamento do Deputado José Adécio com o aval de alguns dos seus pares, em sessão na Assembléia Estadual do dia 17 último, surge um fio de esperança de que a sociedade natalense venha a escapar da derrota diante do poder da ganância dos especuladores e da insensatez dos governantes, evitando o processo de demolição do patrimônio publico representado pelo chamado “Complexo do Machadão”, sob alegação de ser a única maneira de levar Natal a bancar uma sub sede da Copa 2014.

Nada mais falso: a FIFA, em nenhum momento, pediu para demolir nada, simplesmente quer um estádio que atenda suas especificações, e todo mundo já sabe que o Machadão seria preparado para tal fim, dentro de suas limitações econômicas, como as outras cidades convidadas estão fazendo, até mesmo as mais ricas, como São Paulo, por exemplo.

A idéia de reforma e adaptação do estádio existente foi simplesmente boicotada pela insensatez e insensibilidade dos governantes e pela ganância de espertalhões que farejam o pouco que temos, como urubus na carniça.

Não há, em lugar nenhum, quem seja contra a participação num espetáculo desta projeção mundial e nem se discute os benefícios que poderão trazer, mas, quando começou a lavagem cerebral do povo por meio da propaganda enganosa, ao prometerem que o evento faria de Natal uma nova Dubai, as pessoas menos incautas da comunidade começaram a desconfiar que algo de escuso estava por trás de tudo, e aí começou a polêmica, a imprensa e colaboradores avulsos, blogs e discussões em reuniões triviais, o povo em geral, todos passaram a trocar o assunto “poda do cajueiro de Pirangí” ou o “baobá de Saint Exupéry”, por uma polêmica mais apaixonante, e menos elitista, discutida sob enfoques diversos, a maioria criticando o absurdo de pagar-se uma fortuna a uma consultora de fora, como sempre sem licitação, pelo conselho de demolir um patrimônio que custou o dinheiro do contribuinte e parte de sua história.

Os preservacionistas, principalmente arquitetos, certamente deveriam estar contra o desmanche da memória arquitetônica da cidade, e invasão do seu mercado de trabalho por empresas alienígenas protegidas por contratos ilegais, o mesmo em relação aos engenheiros e economistas.

Os ambientalistas deveriam estar revoltados com a degradação ambiental que poderá resultar do mega projeto anunciado, os engenheiros de trânsito e urbanistas estariam preocupados com o catastrófico congestionamento que ocorrerá naquele nó, os católicos deveriam estar inconformados com a destruição do altar onde houve a única missa de um Papa em Natal, por sinal o futuro novo santo João Paulo II ou Karol Wojtyla.

Sem duvida, se Natal tornasse aquele espaço um lugar sagrado, até do ponto de vista turístico, a cidade teria muito mais visibilidade para o mundo, permanentemente, do que 2 a 3 jogos de menor importância durante 15 dias de uma copa.

E assim por diante, os funcionários do estado não sabem aonde, nem como vão trabalhar; as crianças vão perder seu aprendizado e seu lazer, no grupo escolar e na creche que pretendem demolir; os jovens kartistas também; os moradores do bairro e entorno adjacente perderão seu sossego e mobilidade por muito tempo face ao caos a ser instalado (além dos assaltantes que os esperam na porta de suas casas). O torcedor pobre ou pobre torcedor perderá o circo onde extravasa suas emoções, já que o pão está cada vez mais difícil.

Por fim, a engenharia potiguar perderá um raro e grande exemplar de sua competência, se for demolida aquela bela e rara concepção estrutural concebida pelo saudoso professor Hélio Varela de Albuquerque em parceria com o professor José Pereira da Silva, cabendo dizer que, na minha opinião, como autor do projeto arquitetônico, aquela obra de engenharia, representa parte das estrofes que compõem aquilo que o saudoso Cortez Pereira chamou de “poema de concreto”; se o povo concorda com essa assertiva, por que permitir-se sua destruição?

Mas a engenharia política dos nossos governantes já inventou uma compensação para essa perda: vai transformar o entulho da demolição em “asfalto ecológico” para pavimentar as ruas de Natal e ganhar votos nas próximas eleições.

Uma sugestão: quando faltar asfalto, um bom reforço seria a demolição do forte dos Reis Magos, somado à demolição do marco comemorativo dos 400 anos da cidade, outrora chamado pejorativamente de “parangolé”, hoje popularmente conhecido como monumento dos Reis Magos, premiado e apontado por outras culturas mais avançadas como um dos mais importantes exemplares da engenharia mundial contemporânea (criação estrutural também da lavra do Professor José Pereira da Silva, e arquitetura de profissionais locais).

Mas, estão todos calados. Martin Luther King tinha razão. Aí está o perigo, no silencio dos arquitetos, engenheiros, economistas, ambientalistas, de parte maior da imprensa, da igreja, até do Ministério Publico, tão brioso e lutador na defesa implacável dos bens e direitos do povo, enfim, quase todos submissos e cúmplices do poder quase imbatível da insensatez e da ganância.

Infelizmente, nossos senhores feudais não enxergam o óbvio. A Copa entra nessa estória apenas como máscara para esconder algo muito mais grave.

Esperemos que os representantes do povo nas casas legislativas, abaixo de Deus, consigam deter essa fúria demolidora que apossou-se dos iconoclastas, evitando a destruição do patrimônio e a imolação da dignidade do povo potiguar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário