NA INAUGURAÇÃO DO MACHADÃO, A
EMOÇÃO AGRADECIDA DE TODA UMA CIDADE
José Alexandre Garcia
In Gol de Placa, Editora Clima, Natal, 1992
Subi, com emoção, as rampas do Estádio de Lagoa Nova, tantas vezes palmilhadas, anos após anos, com o coração batendo. O que há muito não fazia por tédio, desencanto, saturação, cansaço, ojeriza, aversão ou decepção.
Subi o último lance e me revi, vinte e tantos anos passados, ainda moço, entusiasta, idealista, dinâmico e trabalhador, ocupando um posto de soldado, na equipe formada por Agnelo, tendo Ernani como general em chefe.
O estádio até então era somente projeto na concepção e na prancheta de Moacyr Gomes da Costa, inspirando-se no estádio de Oldevala, onde Belini, em gesto épico, levantou a Jules Rimet pela primeira vez para o Brasil.
Também era sonho de Agnelo. Sonho planejado, sem o luxo do Rei Pelé, em Maceió, e sim estádio dentro do orçamento e da capacidade financeira do erário municipal.
E então medi o quanto fizemos, cada qual no seu setor, mas coletivamente impregnados da visão de Agnelo e da envolvente e contagiante determinação de Ernani, para doar uma praça de esporte a Natal. Ela, que tanto merecia.
O CASTELÃO DE LÁ
Leio no frontispício o novo nome: Estádio João Machado.
Antes, muito antes, nos primórdios da construção, apelidaram-no de Agnelão. E só ler as coleções de jornais para constatar que não exagero.
Estávamos naquela fase áurea de 70, após a "Canarinho" sagrar-se tricampeã e todo governador, prefeito ou seja lá o que fosse, planejava construir um estádio, para perpetuar a pujança do futebol verde-amarelo - justificavam-se.
No Ceará, o governador Plácido Castelo construiu o Castelão. Também de Castelão, o povo batizou o estádio de São Luiz, homenagem ao governador João Castelo.
O CASTELÃO DE CÁ
O daqui, apelidaram de Castelão, numa homenagem típica de puxa-saquismo provinciano estéril.
O chefe do golpe militar de 64 nada fez por merecer este laurel, pelo menos, em serviços prestados ao Estado norte-riograndense. Desportista, também não. No mapa do Elefante, de cima a baixo, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, nenhuma obra o teve como inspirador ou mandante.
É mesmo o que a ponte de Igapó, que os lacaios palacianos chamaram de Costa e Silva, mas que o povo, em sua inata sabedoria, continua candidamente a chamar de Ponte cte Igapó.
O nome de João Machado está ótimo. Representa, em seu todo, tudo o que um desportista almejou ou almeja ser.
Eu preferiria que, simplesmente, o chamassem de Estádio de Lagoa Nova. Relembrei o Maracanã, batizado de Ângelo Mendes de Morais, crismado de Mário Filho, e que continua a ser, bote anos nisto, Estádio do Maracanã.
UM BUSTO PARA DlNARTE
O nome de João Machado no frontispício está certo. Mas, e Dinarte? Dinarte governador, doando o terreno para localizar a praça de esportes, o primeiro e primordial passo para a empreitada.
Não pensem que isto é tardio agradecimento a benesses recebidas.
Quase que sempre, não rezei pela cartilha política do velho senador, mas é preciso que se diga: Dinarte foi um polítco arraigadamente riograndense. A todos recebia e a todos fazia o que lhe fosse possível fazer. Fosse camisa verde ou vermelha, dinartista ou aluizista.
E já que o nome do estádio foi devidamente entre retificado, seria de inteira justiça que um busto do senador do Seridó fosse erguido em lugar de honra. Como um reconhecimento. O seu a seu dono.
OS QUE MERECEM AGRADECIMENTO
E, o que creditar a Djalma Maranhão, o edil que cercou o terreno e chegou a estocar brita, pedra e concreto, num canteiro de obra? E Agnelo, que avocou a si a tarefa interrompida e foi o dínamo propulsor da etapa primeira? A fase em que o natalense assumia posições e dúvidas de São Tomé?
E Ernani, o abnegado, perseverante, dinâmico e sofrido presidente? E o prefeito Pereira, que complementou o trabalho de administração direta e contratou duas empreiteiras para construir em tempo recorde as arquibancadas, as intermediárias e os lances superiores?
E Cortez Pereira? Inteligente, arguto, culto, genial e sua magistral definição: Estádio de Lagoa Nova, poema de concreto armado!
OS CONVITES NÃO FORMULADOS
Grande festa marcou a inauguração. Um ABC x América na preliminar e Vasco, do Rio de Janeiro, versus Seleção brasileira de novos, na principal.
Pra que dizer que as partidas foram medíocres? Precisava, não.
O povão compareceu como a tomar conta do estádio. Definidos, desde então, o lugar da frasqueira, o chão rubro do aristocrata América, a agressiva arquibancada nº 9 do então verdão, o Alecrim.
Só faltaram nesta festa, duas coisas. Propositadamente esquecidas.
Mesquinhamente, anti-desportivamente esquecidas! Os convites para Agnelo Alves e Ernani Silveira comparecerem.
Uma gafe, rata, engano terrível de certos homens do esporte que destilam bílis e fel por vocação ou destino.
Agnelo e Ernani não compareceram. Mas os seus nomes foram lembrados, de boca em boca, de coração em coração. Nas gerais, nas intermediárias, nas arquibancadas, nas numeradas, nas especiais. Até mesmo, na Tribuna de Honra, superlotada de tartufos, vilões que facilmente curvam a espinha ou de pusilânimes que calam, para viver melhor.
Agnelo e Ernani não foram convidados. Nem precisava. A alegria de um povo em festa era o suficiente. Povo que sabe agradecer, dirimir, julgar, aplaudir e separar o joio do trigo.
Era a emoção agradecida de toda uma cidade.
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