domingo, 8 de maio de 2011

ARENA PODE SER EM OUTRO LUGAR



O próprio Arquiteto do Machadão, que alegou ser possível adequar o chamado "poema de concreto" as condições da FIFA com R$ 100 milhões, disse que fez uma consulta direta a FIFA e a mesma enfatizou que não há a obrigatoriedade do projeto ser exatamente o que estão pregando. Como nenhuma autoridade apareceu para contestá-lo, continuo achando que sua opinião tem verossimilhança com a verdade.


Qual Natal queremos depois de sediar a Copa de 2014?
Daniel Menezes - Sociólogo e Professor
24/03/2011

O valor total para a construção do estádio Arena das Dunas, como o futuro elefante branco vem sendo chamado, a cada pronunciamento do governo, só aumenta - as cifras iniciaram em R$ 300 milhões. Agora, acrescido os juros, já se fala em 1,2 bilhões.

É válido salientar que natal já tem tradição nesse tipo de oba-oba. O processo funciona mais ou menos assim: cria-se a necessidade de algo que irá nos levar a modernidade, empenhamos até o último fio de cabelo, a obra é concluída para depois ser rapidamente esquecida.

Lembram do papodromo? Em tese, além de servir para receber o papa, seria um importante centro de shows, palestras e convenções. Cadê as convenções? E as palestras? Será que a agenda de shows deste ano já foi divulgada e eu ainda não vi? Acho que não. Hoje o equipamento é dominado pelo mato. Dinheiro jogado fora.

E a ponte Newton Navarro? arquitetada para resolver o problema do trânsito e acabar de vez com a desigualdade entre a zona sul e a zona norte, nos levou um caminhão de dinheiro, beneficiou alguns, garantiu a bonança de quem comeu do bolo, mas a população não teve acesso nem as migalhas. Talvez nos tenha servido para tirar algumas fotos. Porém, o engarrafamento pouco foi alterado. Mesmo com laudos técnicos já apontando que a ponte não iria resolver o problema da mobilidade, ela foi levada adiante. Depois que viram que o trânsito não seria desafogado, vieram com a desculpa que seria uma atração turística. Ora, nada poderia soar mais falso, como a realidade vem cruelmente demonstrando.

Entretanto, em matéria de desperdício e de atitude esquizofrênica nada se compara ao estádio Arena das Dunas e a participação de Natal como uma das sedes da copa do mundo de futebol de 2014: não apenas pela magnitude do recurso destinado ao devaneio, mas pelo processo sistematizado de desinformação que a população vem sofrendo.

Não custa nada descabelar a ladainha:

1. O estádio, de início, seria bancado por uma empresa privada, que depois passaria a fazer uso da arena para shows, eventos, etc. Nesta lógica, Natal passaria a receber Madonna, Pink Floyd e, quem sabe, já que há quem acredite que ele esteja vivo, Elvis Presley. Ora, era mais do que claro que a lorota não aguentava meia hora de um diálogo minimamente razoável. Depois se falou numa parceria público-privada, como se continua a dizer. No entanto, não passa de outra farsa. O governo do estado irá garantir os recursos para a construção da arena, empenhando a alma, quer dizer, os royalties (não dá no mesmo?). Que djabo de parceria é esta em que um lado empenha até a roupa do corpo, enquanto o outro lado vem só para lucrar com a construção e com os juros cobrados?

2. Natal, com a copa, seria, segundo se ouvia, invadida por bilhões e bilhões de reais. Chegou-se a falar em 50 anos de desenvolvimento antecipados para Natal até 2014. Megalomania maior do que a do finado presidente Juscelino. E ainda tem mais! Tudo viria a fundo perdido, ou seja, município e governo do estado receberiam as verbas do governo federal sem contra partida. Hoje os jornais dão conta de um empréstimo de 300 milhões aprovados pela câmara municipal de Natal junto a Caixa Econômica Federal para as obras de mobilidade urbana. Poxa, mas se é empréstimo, então, teremos de arcar com um carnê mais grosso do que uma bíblia, ou será que estou falando besteira?!

3. O entulho gerado pela demolição do estádio seria utilizado, conforme um secretário fantástico afirmou, para fazer estradas e rodovias. Bingo! Neste escopo, até o refugo é positivo. Traz desenvolvimento. No entanto, está ficando claro que não se sabe, sequer, aonde esse "lixo" será colocado. Tenho certeza de que na sede da empresa construtora é que não será.

4. A FIFA teria colocado o cumprimento integral do projeto original como condição fundamental para Natal ter direito a receber os jogos da copa. Isto era regra para todas as cidades. No entanto, outras capitais mexeram em seus projetos e, nem por isso, foram retiradas da lista. O próprio Arquiteto do Machadão, que alegou ser possível adequar o chamado "poema de concreto" as condições da FIFA com R$ 100 milhões, disse que fez uma consulta direta a FIFA e a mesma enfatizou que não há a obrigatoriedade do projeto ser exatamente o que estão pregando. Como nenhuma autoridade apareceu para contestá-lo, continuo achando que sua opinião tem verossimilhança com a verdade.

As contradições discursivas e práticas se somam a não reflexão do impacto que estas construções terão sobre o futuro financeiro do nosso estado e sobre as nossas vidas.
Que tipo de cidade a copa irá criar? Quais serão as dificuldades enfrentadas? Estas questões básicas continuam sem resposta. A não ser que acreditemos ingenuamente, como o personagem Pangloss do ótimo livro "O cândido" do filósofo francês Voltaire, que os transtornos passam e os benefícios ficam e que vivemos no melhor dos mundos.

O interessante é que enquanto se ouve nos cafés da cidade que fulaninho, cicraninho e beltraninho vão ser beneficiados desta e daquela forma, que os jornalistas, com algumas exceções (Alex Medeiros e Felinto Rodrigues encabeçam a lista dos que mais corajosamente vêm enfrentando, a bem da verdade, o tema), não estão fazendo de conta de que nada está acontecendo gratuitamente (isto tem um quê de conspiratório, mas retirando os absurdos, alguns movimentos vem se comprovando), os natalenses, como no ensaio sobre a cegueira de Saramago, embriagados com a falsa ilusão de que estamos galopando para um futuro de desenvolvimento, ficam zanzando por aí. Caminhando sem rumo na escuridão de todo este contexto criado.

A questão, antes que alguém venha com o argumento ditatorial de "ame ou deixe", não pode ser se somos a favor ou contra a copa. Mas que tipo de copa queremos. Ou melhor, qual Natal queremos depois de sediar a copa do mundo de futebol de 2014.

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